Obducto - Os três tempos do poema- o poema inscreve-se no tempo
Os vários andamentos do poema
Um poema que se regula
em dado ritmo desejado,
que é o que sente por um lado.
Que se revira noutra face deserta
Como um bem que se guarda
Em que se torna revelação que me desperta!
Sempre estranhamente pensado no reverso,
o poema cria e recria um "licença para sonhar"...
Que vai matizando com aprumo o verso.
Se em seu envolvimento me determino,
por saber e não saber como surge
em voltas cegas num tempo que urge!
Nesse terceiro tempo que é futuro discreto
Que se mostra em rimas de sentido perpétuo.
Revestido na surpresa de um tamanho desassossego!
Um primeiro tempo para sua terna face,
Um segundo tempo para uma incerta inconstância,
Um terceiro tempo para uma revelação misteriosa do instante...
O poema que nasce no reduto do mistério.
É condição de sua valência séria,
que surge para ser único e sincero!
Improvisado não capta prisões, nem destinos.
É envolvimento mútuo, etéreo e eterno
Faz-se desigual na não "perenidade" das folhas caídas no Inverno!
Em que alcança o seu sublime intento,
num qualquer impossível e cálido momento
que se dissemina numa força que é o tempo do silêncio!
Encontro-o como um desencontro que se volta a tocar.
Olho-o em soslaio de um dos seus lados ,
em captação de sua substância se explicar!
Porque quero entendê-lo, respirá-lo,
nesta invenção dos seu três tempos
numa projecção que exige três ritmos para reinventá-lo.
Um poema é uma profunda e minuciosa descrição do tempo.
O tempo que é tenaz em sua urgente passagem
Mas o qual pode ser tomado para ser viragem!
Como um marcador que distingue o tempo e a sua história,
como a diferença entre a noite aparente no eclipse solar e a noite!
O poema inscreve-se no tempo humano gravado no templo da memória.
Se o infinito se distancia do ser e da sua eternidade,
o poema guarda a seu modo o tempo laborioso.
E seu labor, o pensamento, transforma-se em tempo curioso!
A beleza que determina a natureza
pode ser guardada pelos sentidos
mas só o poema lhe poderá dar voz de uma ilusória certeza!
O poema jaz em sua tamanha fragilidade.
Mas é simultâneo na gênese da criatividade.
Como aventura inacabada que assiste à penumbra do mistério da vida!
Rosamar Freedom