Pegadas na areia ( ou jogo de sombras ) - Reflexão I
Depois de escrever algumas páginas na web senti a necessidade de ordenar algumas ideias que sintetizassem um pouco tudo o que tinha escrito até aqui. Tendo já pensado um pouco sobre algumas razões porque não parei e perdi o rasto de grande parte do que fiz, gostaria de as desvendar um pouco.
Uma das razões que me foi comunicada por artistas de diversas áreas, desde a escrita, a música, teatro e pintura: é um sentimento que se iguala à paixão, que está relacionado com a inspiração de criar uma vez, e mais uma vez, na procura de originalidade, que se enquadre com algo satisfatório para o fazedor, e que se encaixe no percurso de quem cria. Não estou totalmente de acordo que esse percurso tenha de ser linear, que supostamente não tenha paradoxos nem contradições. Porque isso seria limitar quem cria e a própria criação que se faz e recria em terreno livre.
Pegando nestas duas palavras, paixão e liberdade movem a criação sem limites e não sobeja muito tempo para parar e reflectir um pouco mais, ou seja aprofundar os seus motivos e analisar as suas andanças.E só se dá lugar à satisfação de criar, criar, criar!
Apesar de não concordar com restrições de nenhuma espécie em relação ao acto de criar, por mais que me sinta independente, ou seja, não restringida àquilo que os outos poderão buscar em mim, tenho de admitir que não sou totamente independente quando escrevo, mesmo sendo a maioria do que escrevi poesia.
A escrita de poesia devido à sua dificuldade em deixar um rasto plausível de se poder analisar e entender claramente, não apenas numa estrofe que está escrita, mas em todo o seu contínuo encadeamento, sempre impossível. Sendo esta outra das razões porque perdi o seu rasto, como num jogo de espelhos, que vão reflectindo imagens que fazem parte de um jogo enigmático e misterioso!
Para situar a poesia é necessário falar do terreno completamente movediço em que se move em que mistura sem excepção " O sonho e o pensamento ".É a principal constante da escrita de poesia.O que contrapõe o facto de que não há escalas nenhumas por onde se meça a sua intensidade que se deve à razão sempre constante de que poetizar não se trata de algo que interliga impossíveis, mas sim possibilidades que poderão acontecer. É um mundo que do nada ou daquilo que se julga que é a realidade de um pensamento e se programa a si próprio para se transformar em um outro que tendencialmente terá de ser melhor, na construção de um mundo possível de poder existir.
Voltando á não independência de quem escreve, mesmo sendo poesia, posso falar de inúmeras fontes de inspiração, por vezes disfarçadas dentro de nós, escondidas, a alteridade, os outros em nós, no inconsciente Sem essa alteridade não haveriam desdobramentos, nem a constante turbulência e dinâmica, que se traduz numa interactividade entre o "eu" e a noção do outro, que representa aquilo que nos diferencia. Sendo impossível criar uma ponte segura entre o nosso "eu" e a subjacente alteridade.Está implicita, mas não é explícita. É praticamente impossível atravessá-la, a não ser que se recorra a fontes fixas de inspiração fora de nós mesmos, como são as musas criadas de forma perfeita assemelhando-se a esfinges e a deusas com poucas caracteristicas humanas criadas para serem exclusivamente fontes de inspiração para os trovadores e poetas.Mas sendo esta uma forma de obter inspiração que obriga a procurar caminhos fora de nós e obriga-nos a reinventar os nossos processos criativos.
Em geito de conclusão (temporária), a origem de toda a inspiração que é a alavanca para se iniciar o acto de criar, para o fazer poético são as palavras e para a prosa são as ideias.
# Alteridade :" a noção do outro ressalta que a diferênça constitui a vida social, à medida que esta efectiva-se através das dinâmicas das relações sociais. Assim sendo, a diferênça é, simultâneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito" ( G. Velho, 1996- Antrópologo brasileiro, pioneiro da Antropologia urbana no país ).
Rosamar Freedom